Espero
que não!
Moda é
algo que entra e sai e surge nova coleção de roupas ou estilos. Fico aqui,
pensando sobre este movimento nos últimos tempos. Estupro coletivo, o caso em
Piauí, a situação de uma menina universitária, que mentiu sendo tocada no
ônibus T1 de Porto Alegre, o ator Johnny Depp agrediu sua esposa e
por último o caso do cantor Mc Biel. Junta tudo isso em uma panela. Será que
não estamos falando do mesmo assunto?
O fato
de tais crimes acontecerem no privado/íntimo torna a sua punição dependente de
uma dimensão subjetiva, que é a decisão, tomada pelas mulheres, de não aceitar
se submeter às agressões, de não a ocultarem, mas as tornarem públicas,
recorrendo às instituições sociais. Tal dimensão subjetiva está exposta às
contradições das relações modernas entre o público e o privado. Se a esfera
social/pública, por um lado, cria normas que condenam a violência contra as
mulheres, por outro lado, é ainda controlada pelos próprios perpetradores da
violência, que permanecem protegidos por um sistema social androcêntrico.
As
mulheres podem decidir denunciar a agressão, mesmo sob o risco de romper o
vínculo, o que significaria a conquista da autonomia, a emancipação em relação
às normas massificadas. Mas podem também permanecer vinculadas ao agressor,
recusando-se a denunciá-lo, por diversos motivos, entre eles, a própria
dificuldade de contar com o apoio de instituições sociais, mas também por se
tornarem reféns do dispositivo psicológico, que já assumiu as normatizações do
mundo social, consolidando a culpa e o sentimento de fracasso por terem
acreditado nas promessas de amor do agressor ou por assumir unilateralmente a
responsabilidade pelo projeto de família.
A
construção desses traços rígidos e estereotipados produz as chamadas dificuldades
psicológicas, reafirmadas pelo medo e insegurança em romper com valores tão
engessados socialmente. Evidente está que a luta feminista segundo a qual
"o privado é público" necessitaria, para se constituir como uma
prática crítica, ser apropriada pelas mulheres que sofrem violência. A
percepção dos elementos distintivos entre norma moral e a construção normativa
só se faz possível a partir de um engajamento crítico-político, e o feminismo
possibilita essa reflexão. No entanto, desestabilizar normas morais não é uma
tarefa fácil quando nos constituímos dentro dessa argamassa de violências.
A lei
sem dúvida representa uma importante conquista do movimento feminista, por
acreditar na eficácia simbólica da lei ao longo dos anos, mas nem de longe será
responsável pela diminuição dessa prática. Pelo contrário, o que vemos no
cenário atual é um recrudescimento da violência: quanto mais avançamos em
termos de denúncias e resistência às agressões, maior o ódio dirigido às
mulheres. Por outro lado, há um cinismo nessa prática moderna de dizer que o
que se passa na esfera privada, doméstica, deve permanecer aí, justamente
porque, por outro lado, a deterioração do mundo público, político, nos obriga a
investir nossas intensidades e paixões no mundo privado (Sennett, 1998), o que
o torna um lugar bastante vulnerável à violência.
Assim
como, a partir do encontro terapêutico que constitua subjetividades políticas
permite articular os aspectos socioculturais e os aspectos psicológicos
implicados na prática da violência. Nesse sentido, dissolve o que parece ser
uma oposição entre cultura e psiquismo, implicando as relações de gênero com a
exigência, própria do mundo moderno, da autonomia em relação a determinações
alheias à cultura humana. Dessa forma, fica desautorizada a manobra da razão
patriarcal de fundar na natureza a oposição hierárquica entre os sexos – origem
das mais distintas formas de violência contra as mulheres –, ainda que essa
natureza seja uma segunda natureza, uma estrutura que se apresenta como fixa e
insuperável. Torna-se necessário e urgente o desenvolvimento de uma forma
especial de escuta da narrativa das mulheres que procuram ajuda por sofrerem
violência. Ao narrarem suas vidas, as mulheres expressam uma multiplicidade de
sentidos, tanto aqueles já fixados pela estrutura patriarcal, como sentidos
genuínos, ainda que precários, que resistem a serem reintegrados nos
significados e estereótipos da 'velha' estrutura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário