Você sabia que,
na idade média, não existia o sentimento de infância? Pois então, os séculos
XII e XV, o sentimento de infância era como consciência da particularidade
infantil capaz de distinguir a criança do adulto: logo que a criança era capaz
de dispensar a ajuda da mãe ou da ama, depois de um desmame tardio que
acontecia por volta dos sete anos de idade, ela ingressava na comunidade dos
adultos: participava dos jogos e dos trabalhos e seus trajes também não a
diferenciavam dos mais velhos, pois assim que deixava o cueiro, se vestia como
os outros homens e mulheres, embora as roupas mostrassem a hierarquia social. O
sentimento de infância começa a aparecer no século XVI numa atitude
diferenciada em relação à criança que começa a ser difundida nos séculos XVI e
XVII. Nesse último, a noção de “família” remetia à fidelidade dos servos e a
“criança” era definida como um adulto em miniatura.
O cuidado dispensado aos pequenos
passou a inspirar novos sentimentos e a nova atitude parental envolvia
paparicos e focalização da criança como fonte de distração dos adultos. As
crianças começam a receber nomes próprios e a saber quantos anos têm, assim
como os pais passam a considerar importante saber quantos são os seus filhos.
Surge uma especificidade deste período da vida, expresso pelos novos lugares
que lhe são determinados nos cômodos das casas, na dimensão dos móveis, nas
atividades que lhe seriam proibidas. E há também um lugar entre os saberes,
justificando uma medicina especializada e uma pedagogia que lhe sejam próprias.
No século XVIII começa a surgir uma preocupação com a higiene e a saúde física,
inspirada pelas ações médicas: a designação específica do campo da Pediatria
surge em 1872.
O
conceito de amor materno foi assimilado de forma contundente, e por muito tempo
não questionável. Afirmava-se que a necessidade de maternagem é uma
característica universal feminina, fazendo-a parecer um dom, um sentimento
instintivo e estritamente biológico que todas as mulheres vivenciariam
independentemente da cultura ou da condição sócio-econômica: pré-concebido,
pré-formado, esperava-se apenas a ocasião para exercê-lo, sofrendo-se quando a
oportunidade tardava. Sob o domínio exclusivo dos pressupostos biológicos
instintivos, não era possível considerar também aspectos psicológicos ou
sócio-culturais e os especialistas não conseguiam explicar como esse imperativo
biológico se manifestava em algumas mulheres e em outras não.
As
mulheres que não possuíam desejo de amamentar fugiam à norma sendo
classificadas em termos de exceções patológicas ou desvios. Maternar, desde os
primórdios da humanidade, foi considerado uma função principalmente feminina, a
diferença é que até o século XVIII esta não possuía caráter obrigatório e
àquelas mulheres a que era imposta a maternidade não garantia gloria ou
reconhecimento. Mais especificamente em relação à amamentação, muitas se
negavam sob argumentos de diferentes ordens: que era um ato despudorado; que
perderiam a beleza, fundamental à existência; e também que não era digno. A filosofia das
luzes trouxe uma nova linguagem, em que não se falava em dever, obrigação e
sacrifício sem reconhecimento, baseando-se para tal na igualdade, no amor e na
felicidade. O patriarcado abstrato e absoluto foi, então, substituído por uma
concepção mais igualitária onde o bem estar físico da criança justificava a
autoridade do pai e da mãe: o amor passa a ser o regente das relações entre
pais e filhos, onde respeito e a afeição devem ser recíprocos.
No
século XX, a mãe, anteriormente restrita a uma função geratriz, assumiu também
o papel de educadora e passou a ter uma função social. Cabia à mulher a
responsabilidade pela saúde e pelo bem-estar dos membros da família e
ampliava-se sua responsabilidade como dona de casa no controle dos filhos. A ela
foram delegadas, também, responsabilidades pelo desenvolvimento emocional dos
filhos.
A mãe "perfeita e normal" devia
mostrar-se paciente e dedicada, atenta a todas as necessidades de seu filho,
totalmente devotada e qualquer afastamento desse padrão acarretava sentimentos
de culpa ou frustração. A mãe ideal encarregava-se insistentemente de tudo,
assumindo sozinha a educação completa dos filhos: não deveria ter um sono muito
pesado, deveria não pensar no marido, o seu instinto era infalível e permitia
que apenas ela soubesse a hora exata de misturar as batatas com a carne. Ser
mãe não deixava tempo livre para a mulher, que se tornou aprisionada no papel
de mãe, nos cuidados infantis a que estava obrigada. Tal condição, entre
outras, detém novamente a mulher no lar e arrefece a independência feminina
decorrente da recente emancipação do patriarcado.
Suas
responsabilidades não se restringiam à criança propriamente dita, mas
desempenhavam um papel determinante no futuro de seu filho: se ele se tornasse
um criminoso ou apresentasse qualquer tipo de deficiência física ou emocional,
já se sabia quem deveria ser colocado no banco dos réus. A mãe se tornaria
responsável não só por qualquer ato inconveniente do filho, mas também do
marido, freqüentemente desculpado por não encontrar suporte ou aconchego ao
chegar em casa: um ambiente agradável, um chinelo quente e uma comida bem
feita.
Claramente,
é importante notar que as tradições foram se construindo de modo a estabelecer
uma rígida divisão sexual do trabalho que subordinou a mulher às exigências do
lar e ao cuidado da família. Os novos padrões normativos de comportamento
promoveram uma modificação radical das imagens e dos papeis materno e paterno.
O exercício da maternidade possibilitou às mulheres encontrarem uma função
determinada, de um prestígio até então desconhecido. O caráter de novidade
centrava-se na percepção do "ser mãe" naturalmente vinculada à
feminilidade e na abertura de novas possibilidades que o exercício da função
materna permitia. Houve um deslocamento do poder paterno, que passou a ser
partilhado com a mãe. O pai devia exercer uma boa influência sobre o filho, ter
um bom caráter e reputação e aquele que desse um bom exemplo estaria cumprindo
seu dever. Era bem visto o homem que participasse da educação de seu filho ou
fosse seu primeiro professor, mas tal fato, na maioria das vezes, não acontecia
por lhes faltar tempo e em muitos casos, vontade.
Sendo
assim, ao analisar os movimentos que influenciaram a construção do ideal
materno procura-se auxiliar uma reflexão e uma desconstrução de um ideal
utópico que, em realidade, muito dificulta às mulheres agir frente à
maternidade mais livremente. Independente do fato da mulher possuir um trabalho
extra-lar, a exigência de dedicação total e incondicional é cruel, impondo
àquela uma anulação de sua subjetividade e de seus desejos, já que para tal ela
substituiria a condição de mulher (um papel multifacetado que inclui o materno)
pelo de mãe em tempo integral. A conseqüência é o adoecimento feminino, seja
pela tentativa de alcançar esse ideal, deixando de lado sua subjetividade ou,
então, uma opção pelos seus desejos e uma terrível culpa.
É
necessário desacreditar que a maternidade é superior à paternidade, mas para
tal é preciso desmistificar a amor materno inato e tomar o do pré-suposto de
que o amor paterno também é semeado, alimentado e aprendido no trato diário com
os filhos e que em nada difere, em possibilidade, do amor materno. Considerar
ambos os “amores” conquistados, legítimos e de igual qualidade não equivale a
dizer que não haja diferenças entre as funções maternas e paternas, pois elas
têm suas especificidades.
Além
dos pais introduziram-se os avós, as babás, as novas madrastas e os
profissionais de creche na diversificação dos agentes promotores de cuidados na
primeira infância, o que se tornara raro a partir da propaganda higienista, de
modo que no contexto das transformações contemporâneas observadas nas famílias
predomina uma nova idealização: quando as atividades de cuidado infantil são
divididas pelos pais, existe mais tempo para ambos se dedicarem ao trabalho
profissional, a atenção aos filhos e à própria relação conjugal numa busca
compartilhada da felicidade pessoal.