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quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Como brincar com crianças surdas?

Entender o significado do brinquedo e do brincar é um caminho necessário e útil para poder conhecer a criança e o seu processo de desenvolvimento. O brinquedo não é um mero divertimento, ele é sério, e, a criança ao jogar, mergulha fundo em seu jogo, em um mundo à parte, no qual o mundo do adulto não tem mais lugar, é um outro universo. A criança é criança porque ela brinca (Volpato, 2001).
A partir das palavras do Volpato, podemos compreender através da cultura surda que já citei no blog, o brincar integram-se ao cotidiano das pessoas sob várias formas, sejam elas individuais, sejam coletivas, sempre obedecendo ao espírito e a necessidade cultural de cada sujeito. Percebe-se que o brincar é definido por uma cultura preexistente que o leva a ser uma atividade cultural que presume a aquisição de estruturas que a criança assimilará à sua maneira em cada nova atividade lúdica, ou seja, para brincar é necessário possuir os pré-requisitos para o brinquedo que são a sua cultura específica. Trata-se de uma atividade que permite atribuir outros significados à vida cotidiana.
Se a criança não sabe brincar, poderá se tornar um adulto que não sabe pensar, pois a alma e a inteligência crescem na criança por meio do jogo, do brinquedo. Portanto o objetivo da infância é treinar pelo jogo as funções, tanto psicológicas quanto físicas, pois o jogo é o centro da infância (Palladino, 1999).
Com relação à importância do brincar para o desenvolvimento infantil, a atividade implica a presença de regras e ações imaginativas, ainda que esses componentes não estejam igualmente envolvidos em diferentes modalidades de brincadeiras. No caso do faz-de-conta, a imaginação é uma característica central, que corresponde a uma crescente libertação do perceptual-imediato.
Ao considerar a surdez uma diferença, não existe uma patologia nem uma inferioridade do sujeito em relação aos demais. Essa diferença recai sobre a ênfase no desenvolvimento de recursos próprios para interagir com o meio, até mesmo por meio de uma língua própria que permita ao surdo expressar-se. A autora considera a surdez a partir do modelo sociocultural no qual ela é vista como uma diferença em relação à comunidade ouvinte e não como uma deficiência. A deficiência é algo patológico em que o insucesso na aquisição e o desenvolvimento da língua padrão oral, como nas atividades escolares, é atribuído à própria deficiência, que limita a capacidade dos sujeitos (Almeida, 2000).
A linguagem no brincar da criança surda é um tema que tem recebido pouca atenção e que merece um esforço investigativo maior, pois envolve uma forma de atividade peculiar à infância, de grande relevância para a formação do sujeito. O estudo do âmbito das ações imaginativas pode somar esforços no sentido de ampliar a compreensão do desenvolvimento na surdez e contribuir para a discussão crítica das condições sociais oferecidas para esse desenvolvimento.
Por fim, cabe salientar que o método clínico é lingüístico discursivo. O brincar, tal qual concebido, detém função clínica desde o processo diagnóstico e adentra a terapêutica enquanto técnica, instrumental ou recurso propulsor para a dialogia, como mencionou Palladino (1999) ao afirmar que o brincar emerge no espaço onde existe a palavra, como possibilidade de a criança transitar na polissemia, de operar simbolicamente. O brincar no atendimento clínico, funciona como técnica, possibilitando por meio do método clínico entender as mudanças na linguagem da criança.
Hoje em dia, pode-se observar maior aproximação entre a Psicologia, fonoaudiologia e a educação, pela expansão das ações no contexto escolar. A Psicologia vem buscando com o passar dos anos melhorar sua atuação a fim de resgatar o papel social voltado à promoção da saúde na escola. As instituições voltadas para a educação e o atendimento de pessoas com deficiências necessitam do atendimento clínico em função da sua clientela. Durante o trabalho terapêutico, fortalece a relação com a escola discutindo os dados de evolução da criança, as dificuldades que permeiam o trabalho e os progressos apresentados.
A escola deve ser vista como um local privilegiado de observação em que ocorre um encontro do psicólogo, fonoaudiólogo com as crianças, professores e famílias. Isso leva esse profissional a direcionar o olhar para as crianças que apresentam comprometimento na comunicação oral e/ou escrita com o intuito de minimizar as diferenças. Observar como as crianças brincam na escola pode ser início do tratamento, ou seja, é a partir dele que a criança começa. Por meio das brincadeiras é possível à criança projetar-se e também construir-se.

Referências:

Almeida, E. O. C. (2000). Leitura e surdez: um estudo com adultos não oralizados. Rio de Janeiro: Revinter.
Freire, R. M. A. (1990). A abordagem dialógica: uma proposta social em fonoaudiologia. Tese de Doutorado, PUC-SP, São Paulo.
Palladino, R. R. R. (1999). O jogo na atividade fonoaudiológica. Manuscrito não publicado.
Volpato, G. (2001). O que é brinquedo (3ª ed.). São Paulo: Brasiliense.

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